Potencial para aquecer as economias locais e a melhoria da arrecadação das prefeituras

Não é novidade que as novas tecnologias digitais têm impactado de forma definitiva o desenvolvimento das economias em todo o mundo. Na chamada era da Economia Digital a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) pelas empresas tem modificado completamente a oferta de serviços digitais, as transações entre fornecedores e consumidores e as relações de trabalho. A Economia Digital envolve o setor de TICs (provedores de internet e redes de comunicação, processadores e computadores); plataformas, aplicativos e serviços de pagamento; e negócios digitais para oferecer bens e serviços, como o e-commerce e novas empresas (startups). Verificamos, portanto, um promissor ambiente para o desenvolvimento da cadeia de serviços – o que tem enorme potencial para aquecer as economias locais e a melhoria da arrecadação das prefeituras, considerando o impacto positivo sobre a tributação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (o ISSQN), de competência municipal.

Em Niterói já estamos constatando a relevância dos serviços digitais como indutores importantes para a dinamização da economia local. Considerando o volume de recursos arrecadados em ISSQN com as atividades dos serviços de tecnologia da informação, verificamos um aumento de 115% comparando o primeiro semestre de 2020 com 2021. Mesmo se compararmos com um período no qual ainda não havia sido deflagrada a pandemia – considerando o seu impacto na redução da atividade econômica – verificamos uma variação positiva de 74% no primeiro semestre de 2019 em relação a 2021.

Porém, essa oportunidade de incremento de arrecadação enfrenta uma miríade de desafios de diversas ordens. O desenvolvimento da Economia Digital tem esgarçado as fronteiras das previsões do direito tributário não apenas em nível local, mas a nível mundial. Neste mês de julho os ministros de finanças do G20 defenderam a construção de uma reforma global “adaptada à era digital” na qual haveria um imposto mínimo global de 15% para grandes empresas de tecnologia. Isso para coibir que as empresas transfiram seus lucros para países com baixa tributação. A proposta ainda enfrentará muitas discussões e pretende ser um marco na tributação internacional a ser adotada a partir de 2023.

Especificamente no caso da tributação de serviços digitais pelos municípios, há dois casos recentes enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que ilustram bem os desafios de adequação de normas e interpretações do direito tributário a casos concretos.

A primeira trata de um caso favorável aos municípios em fevereiro deste ano no que se refere ao julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5659 e 1945). A decisão excluiu a incidência do ICMS – de competência estadual – sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador (software) com a indicação de que nessas operações incide o ISSQN. O entendimento majoritário dos ministros foi que a elaboração de softwares é um serviço que resulta do esforço humano. E que, por isso, tanto o fornecimento personalizado por meio do comércio eletrônico direto quanto o licenciamento ou a cessão de direito de uso foram associados à prestação de serviços ao usuário.

O outro caso é o da Lei Complementar 175/2020 que entrou em vigor em janeiro de 2021, mas continua em discussão no STF em relação a sua constitucionalidade e indefinições sobre como irá operar. A Lei afeta setores como administradoras de cartão, planos de saúde, arrendamento mercantil e administração de fundos de investimentos com a diretriz de que o recolhimento do ISSQN se concentra não no local da sede de onde as empresas são estabelecidas, mas no município do domicílio do tomador do serviço. De acordo com a Lei até 2023 a arrecadação do tributo municipal será 100% no domicílio do tomador do serviço. A proposta é que a implementação seja gradativa. Neste ano de 2021 já deveria ser arrecadado 66% no município tomador e, em 2022, 85%.

Ocorre que grande parte do imbróglio jurídico em torno da norma diz respeito justamente à definição do conceito de “tomador de serviços”, ou seja, o local de fruição dos serviços. O tomador de serviços é a loja que possui a máquina do cartão ou onde o usuário mora? Também há a necessidade de implantar um Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISS nos termos do art. 6º da LC 175/2020 com representantes de um município capital e não capital de cada região do país com a finalidade de disciplinar as regras de um sistema unificado de arrecadação para padronizar a forma de arrecadação do tributo. A tarefa não é simples considerando que cada município goza de autonomia para estabelecer suas leis, decretos e outros atos normativos o que pode ocasionar grande confusão para padronizar a aplicação do ISSQN nos locais de fruição dos serviços trazendo grande insegurança jurídica.

As empresas de aplicativos de economia compartilhada, ainda que não incluídas na LC 175/2020, têm enfrentado desafios semelhantes relacionados à tributação de serviços, uma vez que diversos municípios reivindicam que o ISS seja recolhido no local da utilização dos serviços. Nesta semana, dia 27 de julho, a Prefeitura de São Paulo sancionou uma lei autorizando a cobrança de uma taxa extra às empresas de aplicativos de transporte de passageiros e entrega. Porém, especula-se que a taxa não seja aplicada de fato, mas uma estratégia para influenciar que as empresas de aplicativos recolham o ISSQN na cidade.  

Parte das propostas de reforma tributária discutidas no Brasil – como PEC 45/2019 e PEC 110/2019 – ensejam a unificação do ISSQN a outros tributos. Nesse sentido, as propostas relativas à tributação de serviços digitais ficariam desatualizadas. É urgente o Brasil tomar a dianteira nesse tema de como tributar a Economia Digital no contexto das reformas tributárias, com especial atenção para o fortalecimento da arrecadação própria dos entes municipais, sob o risco de, mais uma vez, penalizarmos a autonomia financeira dos governos locais.


No canal do youtube da Fazenda você poderá acessar a gravação de uma live sobre desafios da tributação da Economia Digital com a participação de especialistas e mediação do Subsecretário de Receita, Juan Rodrigues.