Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia da COVID-19, a primeira de proporções mundiais desde o surto causado pela Gripe Espanhola no início do século XX. De lá para cá, o coronavírus foi responsável pela morte de mais de 6 milhões de pessoas, dos quais 600 mil brasileiros. Não bastasse o luto e a dor da perda, a fome também foi agravada como efeito colateral do período pandêmico. Segundo relatório das Nações Unidas, um décimo da população mundial – cerca de 800 milhões de pessoas – enfrentam a fome desde 2020. Num período de dois anos, o mundo se viu de frente com uma crise sanitária devastadora e o prenúncio de uma nova normalidade com o avanço da vacinação foi atravessado pelo maior símbolo da estupidez humana: a guerra.

No final de fevereiro, após meses de crescente tensão, a Rússia invadiu a Ucrânia. Temos visto diariamente o seu resultado nefasto: a destruição dos bombardeios, a morte indiscriminada, inclusive de correspondentes de guerra, e o deslocamento maciço de populações para fora da sua terra, deixando para trás histórias, famílias e sonhos.

Para além do aspecto humanitário, a guerra em curso traz consequências geopolíticas e econômicas de grandes proporções. A bateria de sanções aplicadas pela maioria dos países ocidentais à Rússia implicará em novos arranjos institucionais daqui para a frente, com possível aproximação entre a Rússia e a China de um lado e uma busca por novos fornecedores de recursos energéticos por parte da Europa e dos Estados Unidos. Uma trégua no boicote ao petróleo venezuelano, por exemplo, já voltou a ser ventilada na imprensa internacional como possível consequência da guerra na Ucrânia.

O que parece inegável, no entanto, é o impacto econômico que isso trará para um mundo ainda muito combalido do esforço no enfrentamento à COVID-19. No nosso quintal, o cenário não é favorável. A despeito de um resultado positivo para as finanças públicas no ano passado – superávit primário na ordem de R$120 bilhões por parte dos estados e municípios, a inflação voltou a assombrar a vida das famílias. Em 2021, o IPCA fechou com alta de 10,06%, a maior inflação acumulada desde 2015 e tudo indica que 2022 deverá ser pior. De acordo com o Boletim Macrofiscal do Ministério da Economia, a estimativa para este ano é de uma inflação acima da meta. Isso já pressionou os valores da taxa de juros Selic que deverá chegar ao patamar acima de 12% em maio conforme já anunciado pelo Banco Central.

Nós já sentimos esses números na pele. Itens básicos como a cenoura e o café tiveram um aumento acima de 60% nos últimos 12 meses. Diesel, gasolina e etanol passaram dos 30% e sua importância para toda a cadeia logística tende a impactar diversos outros segmentos, dos bens aos serviços essenciais. Isso não se explica somente pela guerra, mas está atrelado a ela. Segundo a Secretaria de Política Monetária do Ministério da Economia, a principal contribuição para a inflação provém do aumento dos preços internacionais das commodities agrícolas e, principalmente, energéticas, em meio às tensões ocorridas no Leste Europeu. Num cenário onde o fim da guerra é incerto, é difícil imaginar que os números melhorem a curto prazo.

Segundo o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI) a redução do IPI, anunciada no início deste mês, deve levar a uma perda de arrecadação de R$16,2 bilhões para a união, estados e municípios, enquanto a isenção do PIS/COFINS, válida até dezembro de 2022, poderá gerar um impacto fiscal de R$17,6 bilhões para o governo central. Essa mesma medida que reduziu temporariamente a zero as alíquotas de PIS/COFINS sobre alguns itens, também definiu que o ICMS só incidirá uma única vez sobre combustíveis. Secretários Estaduais de Fazenda estimaram perdas na casa de 30% na arrecadação do ICMS sobre o diesel.

Todos esses impactos também serão sentidos na nossa cidade, ainda que estejamos diante de um cenário fiscal seguro. Nos dois primeiros meses do ano, já arrecadamos o correspondente a 50% da previsão inicial do IPTU na Lei Orçamentária Anual, um resultado impulsionado pela expressiva adesão de 30% dos cidadãos à cota única. O ITBI, outro tributo municipal bastante sensível ao aumento da taxa de juros em função da adesão aos financiamentos imobiliários, tende a ter uma performance mais tímida este ano do que no ano passado, quando batemos recorde de arrecadação acima de R$70 milhões. E o ISS e a transferência de ICMS, que tendem a seguir o crescimento da economia, estão em linhas opostas. Enquanto o primeiro tem arrecadado acima do esperado, o segundo se manteve no patamar do ano passado, com indicativo pela SEFAZ do Estado do Rio de Janeiro de uma provável redução de R$15 milhões nos repasses até o fim do ano.  

É nos royalties de petróleo que o impacto será mais acentuado. Essa receita, que compõe mais de 40% da receita de Niterói, tende a superar as nossas expectativas iniciais. O valor do brent (cotação em dólar do barril de petróleo) estava na casa de USD96,84 antes do início da guerra. Tão logo esta começou, o mesmo brent bateu um pico de USD127,98 (valores de 8 de março), chegando hoje a USD106,62. A previsão inicial dos roylaties e participações especiais de petróleo para este ano segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP) era de R$1,7 bilhões de reais, o que já foi atualizado para R$2,2 bilhões. Ainda que as perspectivas de arrecadação sejam otimistas, a alta volatilidade e o caráter extraordinário dessa receita requer dos gestores públicos prudência para o comprometimento de tais recursos com despesas permanentes.

Já aprendemos em Niterói que uma gestão fiscal eficiente que garanta espaço para investimentos e reservas financeiras é fundamental para momentos de crise.

No início da pandemia, o fato de termos reserva financeira no Fundo de Equalização de Receitas (FER) de Niterói – que poupa 10% de toda a participação especial recebida – foi de suma importância para custear políticas de mitigação dos efeitos da COVID-19. Foram sacados R$200 milhões para atender os pacientes no Hospital Oceânico e dar auxílios a pelo menos 50% da população da cidade, entre salários aos trabalhadores por meio do Empresa Cidadã e renda básica aos mais vulneráveis.

Esses recursos já foram repostos no FER que no início deste ano atingiu o montante de aproximadamente R$500 milhões. Reserva que torna Niterói resiliente frente às incertezas de desastres naturais, contexto geopolítico ou mudanças na política fiscal garantindo segurança aos niteroienses.